11 de jun. de 2013

O Niva Fantasma (Casos & Causos do Lada Niva)



Ney comprou seu Troller e ficou todo empolgado que enfim poderia fazer
muitas viagens com muito conforto, ir e vir no aconchego de bancos reclináveis, ar-condicionado e um bom CD de trilha sonora. Toyota nunca mais, pensava ele.
Numa de suas primeiras peregrinações com o novo jipe, decidiu dar uma volta na Serra da Bocaina, num sábado. Saiu sozinho de casa, pegou a Dutra, passou por Areias, São José do Barreiro, e já no final da tarde estava vendo aquelas lindas paisagens de serras inarráveis.
Repentinamente, o dia começou a escurecer antes da hora, advertindo que uma tempestade estava por vir. Mas Ney nem se importa. Meu jipe topa tudo, pensava ele ao ver o céu enegrecer em todo o horizonte.



A chuva então rapidamente se iniciou, tornando-se cada vez mais forte, conjuntamente com a chegada impiedosa da noite, que lançava um completo véu de escuridão sobre o Troller, que se tornava insignificante naquele mar de serras e água que agora compunha a paisagem do local. Ney se esforça na pilotagem, tentando vencer aquelas agora escorregadias estradas de serra, mantendo o rosto colado no vidro, na vã tentativa de enxergar melhor o caminho que desaparecera de sua frente.  Entretanto, em pouco menos de meia hora, o que Ney mais temia, acontece novamente com ele: O limpador de para-brisa pifa novamente.

Nosso amigo sabe que não adiante tentar o conserto naquele local, debaixo de chuva, e ainda mais naquela escuridão sem fim. Este defeito já havia acontecido antes, e ele não quis trazer o junto o Américo, amigo jipeiro e eletricista, companheiro de longas viagens, então sabia que nada podia ser feito. O eixo do motor devia ter se quebrado de novo.
A única forma que ele encontra é prosseguir sem limpador mesmo, dirigindo ainda mais devagar, com o rosto ainda mais colado ao vidro, na tentativa de chegar de volta à cidade, onde poderia, novamente, chamar o guincho para levá-lo de volta para casa em segurança.



Mas o destino não quis que nosso amigo atingisse seu intento. Poucos minutos depois, sem condições de visibilidade, ele não vê um toco de árvore e dá com o para-choque nele.
Como era de se prever lá se vão às lentes de seus óculos, espatifadas contra o para-brisa. Agora sim, sem condição alguma de prosseguir no jipe, Ney não tem alternativa senão caminhar um pouco e ficar na beira de uma estrada secundária e torcer para alguém aparecer e lhe dar uma carona.

Nenhum carro passava, e a tempestade estava tão furiosa que ele não conseguia ver dois palmos à frente de seu nariz...

Como companhia, ele só tinha a garrafa de conhaque que leva sempre na caixa de primeiros socorros, e que já estava pela metade quando algum tempo depois, ele vê uma luz a distância. Lentamente, a luz começa a se aproximar dele e começa a dividir em duas.

- Hei, isto parece que são faróis de algum carro, estou salvo!

As luzes se aproximam ainda mais, e ele com o pouco da visão que ainda lhe resta sem os óculos, afirma:  - Hei, não é um carro, é um NIVA!

O Niva então continua sua trajetória, lentamente em direção ao local onde nosso amigo está abrigando-se da chuva, sob uma grande árvore na beira da estrada. Deve estar em primeira reduzida, tentando evitar algum acidente, por isto vem tão lento, pensa Ney. Radiante de emoção no momento em que o Niva para a seu lado, ele abre a porta do carona e já salta de imediato para dentro do carro, fechando a porta respirando aliviado.

Entretanto, ao virar-se para o condutor para agradecer, se depara com um fato assustador: Não existe ninguém no banco do motorista!!!

Neste mesmo momento o Niva retorna o trajeto, lento e pausadamente como antes, e Ney ainda petrificado de medo pelo que lhe está acontecendo, olha para a estrada, e vê uma curva perigosa a se a aproximar cada vez mais.  Aterrorizado, e ainda mal refeito do choque de se encontrar num Niva fantasma, Ney começa a rezar fervorosamente para que a sua vida seja poupada...

E é nesse instante, quando a curva se encontra a apenas alguns poucos metros do carro, que, repentinamente, uma mão surge da janela do carro e move o volante...

Ele, paralisado de terror e medo, continua a observar as constantes aparições da mão, antes de cada curva daquele sinuoso caminho e a cada curva, toma um gole do conhaque, para ajudar a acalmar os nervos.  Depois de algum tempo, já não suportando mais o terror e medo daquela situação fantasmagórica, e já tendo secado a garrafa de conhaque, Ney resolve reunir as escassas forças que ainda possuía, cria coragem e salta do carro em movimento, corre desesperado sem parar para olhar para trás em direção de São José do Barreiro, deixando seu Troller abandonado, e o Niva fantasma a percorrer aquele tortuosa rota, que um dia serviu para levar as riquezas do Vale do Paraíba para o porto de Paraty e hoje traz o terror à aquele combalido homem.



Depois de muito correr, cansado, encharcado e em estado de choque, consegue chegar ao final da estrada, chega à periferia da cidade, onde entra num bar e emborca sem pestanejar, ainda arfante, dois copos da pior cachaça da casa.  Após retomar o fôlego e parar a tremedeira, começa a relatar debilmente e em altos brados o fato fantasmagórico que lhe havia acontecido, perante o olhar estarrecido dos outros clientes do estabelecimento.

Entretanto, meia hora mais tarde, quando dezenas de pessoas já o rodeavam para ouvir aquele assustador relato, e o assunto já se espalhava por toda a pequena São José do Barreiro, dois homens entram no mesmo bar, ainda mais encharcados que ele, ao se depararem com o Ney no centro das atenções, exclamam um para o outro: "Olha lá! Aquele coroa não é o retardado que entrou no nosso carro quando o estávamos empurrando, não falou nem obrigado, e ainda sai correndo no meio da estrada feito um louco quando já estávamos perto de chegar na cidade ???


Causo originalmente publicada em Junho/2003 na Revista Tribo Off Road - Número 5

Um comentário:

Christian disse...

Adorei a história!
estou rindo nostalgicamente e admirado ainda mais pelo causo... simplesmente fantástico! alias história digna de um verdadeiro serial thriller de terror!

Amigo Grauçá é uma honra telo no mundo dos niveiros, somente você consegue algo que inusitadamente surpreende a todos! Meus parabéns.